Ana Luisa Janeira, Natureza Artes e Saberes, Estudos para Paisagem, Galeria dos Prazeres|2013
A palavra “Natureza” com pronúncia madeirense está ligada para mim a dois nomes – Manuel Nóbrega e Bruno Côrte
De facto, em várias conversas havidas no Jardim Botânico da Madeira, o Padre facultou-me a experiência rara e inesquecível, que me deu a vivenciar quem é e como se comporta aquele que se diz naturalista.
Por sua vez, o Artista tem-me permitido visualizar persistências temáticas e intervenções plásticas que resultam de uma postura constante na naturarte; singularidade que mais esta exposição corrobora.
Gostar implica estar atento, saber olhar e depois todo aquele esforço infindo para conhecer mais e melhor. Aspecto onde ambos se exercitaram a propósito dos seres botânicos: as plantas exigem uma vigilância aturada para se manterem vivas, mas também depois de mortas, pelos cuidados da conservação dentro de um herbário ou pela perpetuação num desenho e pintura.
Se lhe associarmos alguma fragilidade, em muitos casos, temos de convir que elas apelam à delicadeza e exigem redobrados cuidados na relação.
Dito de outro modo, só espíritos sensíveis desenvolvem dentro de si qualidades e apetências para atingir os lados escondidos do Segundo Reino da Natureza.
Sendo isto mesmo, aliás, aquilo que esta exposição permite verificar.
Assim, o que aqui nos é dado sintetiza estados de alma de onde uma folha, uma pétala, uma raiz nunca se ausentam. E isso acontece, não só porque a curiosidade sobre elas não tem limites, como porque há igualmente uma procura permanente de sintonia.
Razão pela qual é importante que a História e Filosofia das Ciências, onde me movo, ajude a perspectivar o alcance deste posicionamento singular que – num pequeno minuto ou numa duração longa, e ao arrepio da velocidade stressante do quotidiano globalizado – presta atenção, sabe cuidar e é capaz de contribuir para conservar o mundo natural.
Na verdade, a referida postura abre brechas na dominância contemporânea, na medida mesma em que lhe contrapõe um outro espaço e um outro tempo – da minúcia à lentidão, qual iluminura num livro de horas de onde a pressa se ausenta.
A ponto do pequeno ser belo.
E ser belo, não só enquanto olhado no meio de um campo, jardim ou floreira, quando ele é encontrado na espontaneidade natural, mas igualmente quando da recolta resulta um cesto de exemplares colhidos, levados cuidadosamente para um ateliê, espalhados por cima de uma mesa e, quiçá, transformados num esboço.
A ponto de resultarem maravilhas a lembrarem descrições gongóricas relativas a saídas para o campo em setecentos ou paisagens de entardeceres românticos em oitocentos.
Pormenor fundamental se integramos tudo isto nas formas como a cultura, e obviamente a arte, foi (re)criando e continua a recriar a paisagem, que só mereceu pela primeira vez histórica uma descrição literária sob a pena de Petrarca e atingiu algum acmé no mar empolgado de uma tela em Turner.
Sim, a paisagem é um horizonte especial da NaturaCultura, digamos que uma configuração que resulta de algo que vem a nós e nós transformamos sob um ângulo onde o território encaixa na visão, qual matéria a ser formalizada pelo entendimento, segundo princípios intelectivos tão bem definidos por Immanuel Kant.
Como o Padre Manuel Nóbrega, Bruno Côrte sabe olhar de longe e de perto as plantas. Herdade do Freixo do Meio, 15.3.2013
Professora Associada com Agregação em Filosofia das Ciências, aposentada Secção Autónoma de História e Filosofia das Ciências
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Co-fundadora, primeira coordenadora e investigadora
Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL) Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral
janeira@fc.ul.pt
aljaneira@sapo.pt